APELAÇÃO Nº
0074527-11.2009.8.26.0000
Comarca: SÃO PAULO – F. CENTRAL –
21ª VARA CÍVEL
Apelante: MARÍTIMA SEGUROS S.A.
Apelado: GA
VOTO Nº 18.452
Ação de indenização
por danos materiais e morais. Salvado alienado à seguradora quando do pagamento
da indenização decorrente de acidente de trânsito no qual houve a perda total
do veículo. Alienação do bem a terceiro como sucata, em leilão, sem abaixa do
registro junto ao DETRAN, em ofensa ao disposto no artigo 1º, da Lei n°. 8.722,
de 27.10.93. Inscrição do nome do autor na dívida ativa estadual e consequente
ajuizamento de execução fiscal, decorrente da continuidade do lançamento
tributário do IPVA. Responsabilidade da seguradora caracterizada. Danos morais
configurados. Indenização mantida, dadas as peculiaridades do caso vertente. Recurso
improvido.
A r. sentença de fls. 195/199, cujo
relatório se
adota, julgou parcialmente procedente
a ação de obrigação de fazer
cumulada com indenização por danos
materiais e morais, para
condenar a ré a (i) proceder a baixa
ou a transferência do veículo, no
prazo de 10 (dez) dias, e (ii)
indenizar o autor por (a) danos materiais,
consistentes no valor exigido na
execução fiscal nº 00.994.512-0,
corrigido monetariamente até o efetivo
pagamento, e (b) danos morais,
no valor de R$5.000,00 (cinco mil
reais), acrescido de atualização
monetária a partir da data da prolação
da sentença, sendo certo que
sobre o valor de ambas as indenizações
incidirão juros de mora de 1%
ao mês, contados da data da citação. Diante
da sucumbência
recíproca, cada parte arcará com as
custas e despesas processuais a
que deu causa e com os honorários
advocatícios de seus respectivos
patronos.
Opostos embargos declaratórios pelo
autor (fls.
202/205), foram rejeitados (fls. 206).
Apela a ré (fls. 211/231). Alega que o
veículo em
questão estava alienado
fiduciariamente para a empresa Orplan, ou
seja, o bem possuía uma restrição
financeira que impediu a
regularização de sua documentação.
Afirma que a credora fiduciante
emitiu uma declaração de quitação, que
lhe foi entregue pelo autor,
sendo certo, contudo, que tal
documento não foi suficiente para que
pudesse concretizar a baixa do
RENAVAM. Assinala ter entrado em
contato com a credora fiduciante, que
faliu em abril de 2006, tendo sido
informada que a regularização da
restrição poderia ser feita apenas por
meio de ação judicial. Sustenta ter
realizado o pagamento dos débitos
de IPVA do veículo, até o ano de 2003,
no valor de R$14.276,42
(quatorze mil, duzentos e setenta e
seis reais e quarenta e dois
centavos), a fim de evitar os
problemas e inconvenientes da execução
fiscal. Assevera que o veículo foi
comercializado como sucata em abril
de 1997 e que o Código de Trânsito
Brasileiro foi instituído em
23.09.1997, sendo que a obrigatoriedade
da baixa de sucata de
veículo foi regulamentada pela
Resolução CONTRAN nº 11/98, de
23.01.1998, razão pela qual não são
aplicáveis à hipótese vertente.
Acrescenta que o autor agiu com má-fé
ao entregar-lhe um documento
que indicava que o veículo estava livre
de ônus e desembaraçado,
quando, em verdade, não estava.
Argumenta que não praticou
qualquer ato ilícito que pudesse
ensejar o dever de indenizar o
requerente pelos danos morais
alegados. Ressalta que é a credora
fiduciante a responsável pela impossibilidade
de efetivar a baixa do
RENAVAM. Salienta que o autor não
demonstrou quais foram os
danos morais por ele experimentados
que pudessem motivar a fixação
de indenização, tampouco a existência
do nexo de causalidade, razão
pela qual a aludida indenização deve
ser excluída. Aduz que, caso seja
mantida sua condenação ao pagamento de
indenização por danos
morais, esta deve ser reduzida. Por
isso, requer a reforma da r.
sentença, a fim de que a ação seja
julgada improcedente ou,
subsidiariamente, que seja reduzido o
valor da indenização por danos
morais.
Recurso recebido no duplo efeito (fls.
248) e
contrariado (fls. 251/255).
Em 06.10.2010, o autor apresentou
petição, por
meio da qual noticiou que apesar do
cumprimento espontâneo de parte
da condenação contida na r. sentença
pela ré, a saber o pagamento do
débito tributário perante a Fazenda
Estadual, foi intimado para recolher
um saldo remanescente, no valor de
R$1.500,00 (um mil e quinhentos
reais), sob pena de prosseguimento da
execução (fls. 262/263).
É o relatório.
Na inicial, o apelado afirmou que
mantinha com a
apelante um contrato de seguro
referente ao veículo BMW, ano de
fabricação/ modelo 1994/1995, placas
GER0095. Aduziu que, em
razão de uma colisão ocorrida em
23.12.1997, sofreu sinistro com
perda total, tendo lhe sido paga
indenização de R$75.700,00 (setenta
e cinco mil e setecentos reais),
mediante a entrega do bem (fls. 24).
Asseverou que a ora recorrente não
promoveu a baixa do registro
RENAVAM, motivo pelo qual a Fazenda
Estadual continuou realizando
o lançamento tributário do IPVA do
referido veículo em seu nome (fls.
25) e, diante da falta de pagamento do
mencionado imposto, inscreveu
seu nome na dívida ativa (fls. 26/27)
e ajuizou a respectiva execução
fiscal (fls. 28/31).
A alienação do salvado à apelante se
deu em
30.01.1997 (fls. 24). Em 24.04.1997, o
bem foi comercializado como
sucata, no leiloeiro Sodré Santoro,
pelo valor de R$5.279,00 (cinco mil,
duzentos e setenta e nove reais),
conforme noticiado pela apelante na
contestação (fls. 65). Diante disso,
não se aplica ao presente caso o
disposto pelo parágrafo único, do
artigo 126 do vigente Código de
Trânsito Brasileiro, que impõe à
seguradora a comunicação da baixa
do veículo ao órgão de trânsito,
porque essa lei só entrou em vigor em
23.09.1997, portanto após a alienação.
Entretanto, não se pode negar
que, recebendo a indenização por perda
total, em razão de acidente de
trânsito, o segurado, ora apelado, foi
compelido a se desfazer do
veículo, transferindo-o à seguradora
apelante. Esta, por sua vez,
estava obrigada a comunicar o sinistro
ao órgão de trânsito, para a
baixa definitiva do veículo.
O dever de registro da sucata no
DETRAN está
previsto na Lei n°. 8.722, de
27.10.93, cuja vigência é bastante anterior
à venda feita a terceiro. É o que
preceitua o artigo 1°, e seu parágrafo
único, da Lei nº 8.722/93:
Art. 1°. É obrigatória a baixa de
veículos, vendidos ou
leiloados como sucata, nos
Departamentos de
Trânsito, Circunscrições Regionais de
Trânsito e nos
demais órgãos competentes.
Parágrafo único. Os documentos dos
veículos a que
se refere este artigo, bem como a
parte do chassis
que contém o seu número, serão
obrigatoriamente
recolhidos, antes da venda, aos órgãos
responsáveis
pela sua baixa.
Nos termos do Decreto nº 1.305, de 09
de
novembro de 1994, que regulamenta a
Lei nº 8.722/93, a “baixa do
veículo irrecuperável
é obrigatória junto à repartição de trânsito, e
deverá ser solicitada
dentro do prazo de noventa dias, a contar da
verificação do fato,
satisfeitas as exigências estabelecidas no presente
Decreto”. Segundo o art. 1º, §
3º, “e”, a baixa deverá ser requerida pela
seguradora que tenha efetuado a
indenização do veículo segurado.
No presente caso, a seguradora
apelante não se
desincumbiu do dever de comunicar o
sinistro ao departamento de
trânsito. Assim, deve responder pelos
danos suportados pelo recorrido.
Por ser a proprietária do veículo,
desde janeiro de 1997, deve arcar
com todos os tributos relativos ao
aludido bem, inclusive com o saldo
remanescente e demais acréscimos, conforme
noticiado às fls.
262/263.
Os danos morais são devidos ao apelado
em
decorrência de todos os dissabores a
ele causados em decorrência do
descumprimento pela apelante de sua
obrigação de proceder a
respectiva baixa do veículo junto ao
DETRAN, inclusive por ter sido
demandado nos autos da execução fiscal
proposta pela Fazenda
Estadual1.
No que concerne ao valor da
indenização, cumpre
observar que deve ser o suficiente
para inibir a ré da prática dessa
natureza, capaz de macular a honra e
sentimentos alheios e, de outro
1 Processo nº 00.994.512-0.
lado, não importar enriquecimento sem
causa do ofendido.
Sobre o tema, CARLOS ROBERTO
GONÇALVES dá a seguinte lição: “em
geral, mede-se a indenização
pela extensão do dano e não pelo grau
da culpa. No caso do dano
moral, entretanto, o grau da culpa
também é levado e consideração,
juntamente com a gravidade, extensão e
repercussão da ofensa, bem
como a intensidade do sofrimento
acarretado à vítima.” (cf.
Responsabilidade Civil, 6ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1995, nº 94.5, pág.
414).
No presente caso, o quantum indenizatório
foi
fixado de forma moderada, levando em
consideração suas
peculiaridades, razão pela qual deve
ser mantido.
Correta, portanto, a r. sentença, que
está de
acordo com os elementos constantes dos
autos e do direito aplicável à
espécie.
Ante o exposto, nego provimento ao
recurso.
É meu voto.
Des. GOMES VARJÃO
Relator
Fonte: TJSP
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