Cuida-se de recurso
de apelação
interposto contra a
sentença que julgou improcedentes a
ação regressiva, bem
como a denunciação da lide, com a
condenação dos
vencidos nas verbas sucumbenciais.
Inconformado, recorre
o autor
postulando a reforma
da decisão.
Sustenta que as
avarias que deram
origem ao pagamento
da indenização securitária ocorreram
durante o período que
a carga permaneceu sob a custódia das
empresas apeladas, de
modo que daí decorre o seu dever de
repararem os danos.
O recurso foi
processado na forma
da lei.
É o relatório.
Narra o autor que sua
segurada
importou os chapas de
vidro refletido.
Sustenta, ainda, que
para a entrega
da mercadoria, sua
segurada celebrou dois contratos
distintos: um com a
empresa SDV NEDERLAND B.V. para a
execução do
transporte aéreo, e outro com a empresa MTF
CONSULTORIA E
ASSESSORIA EM COMÉRCIO EXTERIOR LTDA.,
contratada para retirar
a mercadoria do aeroporto e
realizar o seu
transporte rodoviário até o destino final,
nas dependências da
empresa importadora.
Observa-se, portanto,
que a
hipótese dos autos
cuida de transporte sucessivo, que é
aquele que pode ser
realizado por várias formas e/ou
empresas distintas,
mas com pluralidade de contratos, aos
quais as empresas
contratadas se vincularão
respectivamente, o
que implica em dizer que cada
transportadora
responderá de forma limitada à atuação que
lhe cabia no
contrato, e não solidariamente, como pretende
o autor, já que a
responsabilidade solidária fica restrita
ao transporte
cumulativo, que se caracteriza como aquele
que apesar de
desempenhado por mais de uma empresa, guarda
em si uma unidade
contratual, ou seja, vinculação das
diversas empresas
contratadas a uma única relação jurídica,
materializada,
inclusive, por um único instrumento, o que
no caso não ocorreu,
conforme afirmado pela própria autora.
Segundo CLÁUDIO LUIZ
BUENO DE GODOY:
“O transporte
cumulativo é aquele
desempenhado por mais
de um transportador, cada qual
responsável por um
trecho do percurso a ser cumprido. Ou
seja, cada um dos
transportadores efetua o transporte
incumbindo-se de
cumprir uma fase do trajeto total.
Importa, todavia, que
haja unidade contratual, portanto,
sem que se contrate,
individual, separada e
independentemente,
cada trecho da viagem, quando então se
fala em transporte
sucessivo” (Código Civil Comentado,
Coordenador: Min.
Cezar Peluso, pg. 595, Editora Manole, 2007).
E acrescenta, ao
comentar o art.
756, do CC/02:
“Bem de ver, porém,
que, no artigo
em comento,
específico para o transporte cumulativo de
cargas, chamado
intermodal quando se desenvolve por mais de
um meio de
transporte, o Código Civil estabelece uma
responsabilidade
solidária dos transportadores, pelos danos
causados durante o
deslocamento, ainda que, ao final,
identifique-se um
responsável e garanta-se direito
regressivo que os
demais transportadores exerçam perante
ele” (ibidem, pg.
621).
Assim sendo, cada
empresa
transportadora vai
responder somente pelos prejuízos
causados às
mercadorias durante o seu trecho de viagem.
Há que se destacar
que a
responsabilidade dos
transportadores é objetiva, de modo
que às empresas rés
competia o ônus de comprovar a
ocorrência de
eventual causa excludente para ter afastado o
seu dever de
indenizar.
Pois bem. É sabido
que o conhecimento de transporte, além de representar a própria
materialização do
contrato, é também o recurso que o
prestador do serviço
contratado terá para se precaver de
eventual
responsabilização, uma vez que ele deverá
descrever no
conhecimento, além de outras diversas
informações, eventual
existência de avaria ou perda da
carga ou de parte
dela, sendo certo, por outro lado, que em
não o fazendo terá
contra si a presunção de que qualquer
dano verificado
depois de firmado o conhecimento sem
ressalvas, será de
sua responsabilidade, como se tivesse
ocorrido quando a
carga se encontrava em seu poder.
Neste particular,
cabe a transcrição do § 1º, do art. 1º, do Decreto nº 64.387/69,
que estabelece que:
“o não fornecimento imediato do recibo,
ou a falta da devida
ressalva, pela entidade recebedora,
pressupõe a entrega
da mercadoria pelo total e condições
indicadas no
conhecimento”.
Verifica-se do
conhecimento de transporte rodoviário de cargas de fls. 19, que a empresa
corré MTF CONSULTORIA
E ASSESSSORIA EM COMÉRCIO EXTERIOR
LTDA., ao receber a
carga da transportadora aérea, o fez
sem ressalvas, com a
declaração aposta de que “recebi
(emos) os volumes
constantes deste conhecimento em perfeita ordem”.
Ora, se quando da
entrega da
mercadoria à
destinatária final, foram detectadas avarias
nas mercadorias, é
inafastável a responsabilidade da
transportadora
rodoviária, que conforme tudo o que aqui já
se expôs, fez gerar
contra si presunção legal de que
recebera a mercadoria
em perfeito estado, e entregou-a avariada.
Não tendo comprovado,
por outro
lado, que os danos
ocorreram em razão de causa capaz de lhe
excluir a
responsabilidade, deve sim responder, única e
exclusivamente, pelos
prejuízos sofridos pela segurada da
autora, e indenizados
por esta última.
Nesse sentido, aliás,
tem decidido
esta Colenda 23ª
Câmara de Direito Privado:
“CONTRATO DE
TRANSPORTE.
Transportadora que
assumiu obrigação de resultado e
responde pela avaria
da mercadoria transportada, salvo se
demonstrado caso
fortuito ou força maior. RECURSO
DESPROVIDO”.
(Apelação nº 9063067-29.2007.8.26.0000,
Santos, Rel. Des.
SERGIO SHIMURA, j. 14.12.2011) (grifo
nosso)
“CONTRATO -
Transporte de
mercadorias -
Diminuição do peso após o transporte
rodoviário, efetuado
pela ré-apelante, de Viracopos a
Guarulhos - Obrigação
de entregar a mercadoria incólume ao
seu destino
-Indenização devida - Recurso improvido."
(Apelação nº
9167338-31.2009.8.26.0000, Guarulhos, Rel.
Des. J. B. FRANCO DE
GODÓI, J. 17.8.2011)
Por esses
fundamentos, impõe-se a
reforma parcial do
julgado, mantendo-se a improcedência da
ação em relação à
corré SDV NEDERLAND B.V., e julgando-a
procedente em
desfavor da MTF CONSULTORIA E ASSESSORIA EM
COMÉRCIO EXTERIOR
LIMITADA para condená-la ao pagamento da
indenização no valor
pleiteado pelo autor na inicial,
acrescido dos juros
de mora, a partir da citação, à taxa de
1% ao mês, e correção
monetária pelos índices da Tabela
Prática do Tribunal
de Justiça.
No que tange à lide
secundária,
inicialmente, não
merece acolhida a alegação da empresa
denunciada de que a
denunciante perdeu o seu direito ao
pagamento da
indenização pela prescrição da pretensão do
direito, bem como
pelo descumprimento dos prazos
estabelecidos na
apólice contratada.
De fato, o artigo
206, § 1º, inciso
II, “a”, do Código
Civil, é claro ao estabelecer que a
contagem do prazo
prescricional de um ano inicia-se: “para
o segurado, no caso
de seguro de responsabilidade civil, da
data em que é citado
para responder à ação de indenização
proposta pelo
terceiro prejudicado, ou da data que a este
indeniza, com a
anuência do segurador”.
Nesse sentido, ensina
GUSTAVO
TEPEDINO:
“Outra mudança diz
respeito à regra
específica para os
casos de seguro por responsabilidade
civil, nos quais o
legislador dispõe que o início da
contagem não se dá,
como na regra geral dos contratos de
seguro, a partir da
data do sinistro, mas sim 'da data em
que é citado para
responder à ação de indenização proposta
pelo terceiro
prejudicado, ou da data que a este indeniza,
com a anuência do
segurador'. Assim, tão logo seja o
segurado citado para
indenizar um dano causado a terceiro,
havendo contrato de
seguro com cobertura de
responsabilidade
civil, deverá denunciar da lide a
seguradora, para que
esta efetue o pagamento em caso de
procedência da
demanda contra o segurado.” (“Código Civil
Interpretado conforme
a Constituição da República. Vol. I.
Rio de Janeiro:
Renovar, 2007. p. 400)
Ademais, a respeito
da necessidade
de comunicação
imediata pelo segurado, tão logo tome
conhecimento da
ocorrência do sinistro, ao segurador,
convém destacar os
ensinamentos de CLAUDIO LUIZ BUENO DE
GODOY:
“Entende-se que a
falta de aviso,
por si só, sem que
daí dimane qualquer prejuízo, não pode
levar à consequência
extrema, de perda do valor segurado.
Veja-se que o
espírito que anima a disposição vertente não
é diverso daquele
subjacente à norma do antigo Código. A
ideia do legislador
foi sancionar a conduta de falta de boafé
objetiva do segurado,
porém porque assim se impediu o
segurador de minorar
os efeitos do sinistro, ou seja, a
rigor uma hipótese em
que o comportamento do segurado
interfere no valor do
pagamento a ser feito pelo segurador
a bem dizer, idêntico
princípio ao que está subjacente à
regra atinente ao
agravamento do risco (art. 768) ou mesmo
à omissão ou
incompletude das informações prestadas quando
da contratação (art.
766). Tem-se, então, que omitido o
aviso do sinistro,
não haverá a automática perda do direito
ao recebimento do
valor segurado, senão quando demonstrado
pelo segurador que,
por isso, foi-lhe retirada factível
oportunidade de
evitar ou atenuar os efeitos do evento e,
assim, minorar o
importe do seguro a ser pago.” (“Código
Civil Comentado.
Cesar Peluso (coord.). Barueri, São Paulo:
Manole, 2007. p.
639/640)
Acrescente-se que a
cláusula
contratual que prevê
o prazo de três dias, contados da data
do conhecimento do
sinistro, para comunicação da empresa
seguradora, configura
penalidade excessiva ao segurado e
afronta o princípio
da função social do contrato.
Com efeito, como já
explanado, não
há que se admitir a
perda automática do direito ao
recebimento do valor
segurado pela ausência de aviso
imediato da
seguradora a respeito do sinistro, salvo quando
demonstrado que a
demora acarretou a impossibilidade da
seguradora minorar as
consequências do evento.
Assim sendo, diante
da alegação
genérica da
denunciada de que não foi respeitado o prazo
imposto para a
comunicação do sinistro, sem a indicação das
consequências
concretas da referida omissão, não há que se
sancionar o segurado
com a perda do direito de recebimento
do valor segurado.
Nesse sentido,
julgado deste E.
Tribunal de Justiça:
“Ação de indenização
fundada em
contrato de seguro de
acidentes pessoais. Extinção do
processo sem
resolução do mérito, por falta de interesse de
agir.
Inadmissibilidade. Para a ação de cobrança de seguro
de vida e acidentes
pessoais não é necessário o esgotamento
da via
administrativa. Garantia Constitucional de acesso ao
Judiciário. A falta
de comunicação do sinistro, exigida
pelo art. 771, do
Código Civil, só determina a perda da
indenização quando o
segurado agiu de má-fé e agravou as
conseqüências do
sinistro, impedindo a seguradora de adotar
as medidas
necessárias a reduzir o prejuízo. Recurso
provido para
determinar o prosseguimento do feito. Não há
nenhuma prova nestes
autos de que a requerida agiu de má-fé
com a Seguradora.”
(Apelação nº 1.190.279-0/9. Rel. CARLOS
ALBERTO GARBI. DJ.
28.07.2008)
Todavia, há que se
reconhecer a
ausência de cobertura
do contrato de seguro celebrado entre
as partes para o
risco do evento ora reclamado.
De fato, a cláusula
1.1. do
contrato de seguro
estabelece que:
“O presente seguro
garante ao
Segurado (até o
limite do valor segurado) o reembolso das
reparações
pecuniárias, pelas quais, por disposição das
leis comerciais e
civis, for ele responsável, em virtude
das perdas e danos
sofridos pelos bens ou mercadorias
pertencentes a
terceiros e que lhe tenham sido entregues
para transporte por
rodovia, no território nacional, contra
conhecimento de
transporte rodoviário de carga, ou ainda
outro documento
hábil, desde que aquelas perdas ou danos
ocorram durante o
transporte e sejam causados diretamente
por:
1.1.1. Colisão e/ou
capotagem e/ou
abalroamento e/ou
tombamento do veículo transportador;
1.1.2. Incêndio ou
Explosão no
veículo
transportador” (fls. 141).
Na hipótese dos
autos, não se sabe
ao certo o que causou
as avarias no transporte das
mercadorias, mas não
foram sequer cogitadas as causas
abrangidas pelo
contrato de seguro firmado com a
denunciada, acima
descritas.
Convém destacar a
validade de tal
previsão, uma vez que
as cláusulas limitativas de risco nos
contratos de seguro
são plenamente admissíveis, pois
segurador e segurado
podem livremente dispor a respeito da
extensão dos riscos
assumidos pelo primeiro.
Logo, a lide
secundária merece ser
julgada improcedente.
Arcará a corré
vencida com o
pagamento das
despesas processuais e verba honorária
devidas aos patronos
do autor, que fixo em 15% do valor da
condenação, em
atendimento aos critérios estabelecidos nas
alíneas “a”, “b” e
“c”, do § 3º, do art. 20, do CPC, bem
como com as despesas
processuais e honorários advocatícios
de R$-2.000,00 em
relação à empresa denunciada SUL AMÉRICA
COMPANHIA NACIONAL DE
SEGUROS.
Mantida a condenação
do autor no
pagamento das
despesas processuais e honorários
advocatícios, fixados
em R$-1.000,00, pela sentença de
primeiro grau, com
relação à corré SDV NEDERLAND BV.
Ante o exposto, pelo
meu voto, dou
parcial provimento ao
recurso.
PAULO ROBERTO DE
SANTANA
Desembargador Relator
Fonte:
TJSP
APEL.Nº:
9084264-16.2008.8.26.0000
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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