DPVAT: No pleito de complemento
de indenização, a correção monetária é devida a partir do pagamento incompleto
e não da propositura da ação, nem da prolação da sentença, como forma de manter
a intangibilidade da moeda ao longo do tempo.
Assim,
a correção monetária deve incidir a partir do momento em que deveria ter sido
realizado o pagamento integral, pois sua inobservância configura ilícito
contratual
Recurso: Apelação sem revisão Nº 0105828-98.2008.8.26.0100
EMENTA: Seguro obrigatório DPVAT. Diferença. Ação de
cobrança.
1. O valor da indenização do seguro obrigatório, previsto
no artigo 3º da Lei 6.194/74, é de 40 (quarenta) salários mínimos, e,
efetuando-se pagamento de quantia inferior ao previsto na lei, tem direito a
beneficiária de receber o restante que falta para atingir o montante legal, não
havendo qualquer irregularidade ou ilegalidade na quantificação baseada no salário
mínimo, conforme determina a lei
. 2. O recibo de quitação do valor pago a menor
à época do falecimento do marido da autora não retira a legitimidade da
beneficiária de perseguir o valor faltante.
3. A correção monetária nada mais representa do que a
simples recomposição do valor do poder aquisitivo, não podendo ter incidência
somente a partir do ajuizamento da ação. 4. Negaram provimento ao apelo da ré.
1. RELATÓRIO ESTRUTURADO
Inicial (fls. 02/10)
Síntese do pedido e da causa de pedir: A autora, viúva, EAOS propõe ação de
cobrança em face de Companhia de Seguros Minas-Brasil, expondo que era esposa de
JSJ, o qual foi vítima em acidente de trânsito e faleceu; sendo beneficiária, pleiteou
indenização de seguro obrigatório à requerida, recebendo Cz$ 35.125,00,
entretanto o valor correto de acordo com a lei 6.194/74 art. 3º “a” seria Cz$
290.400,00. Requer assim o pagamento de R$ 24.896,96 (valor da causa); pede os
benefícios da justiça gratuita.
Sentença (fls. 94/98)
Resumo do comando
sentencial: Cabe
o julgamento antecipado da lide. O digno magistrado a quo observou que
não há prescrição de acordo com o art. 2208 CC. Julgou procedente a ação; na contestação
a ré alegou a plena validade da quitação, entretanto a autora não está
questionando a validade dos valores quitados, mas sim o valor excedente; a
pretensão à cobrança da diferença é justificável e pertinente; a lei 6.194/74
continua vigente e aplicável; não há vedação constitucional na utilização do
salário mínimo. Condena assim a ré a pagar a diferença dos valores pagos e do efetivamente
percebido, com base em 40 salários mínimos vigentes à época da liquidação do sinistro.
Razões de recurso
(fls. 101/111)
Objetivo do recurso: A apelante alega que
o valor correto da indenização já foi pago, sendo que depois da assinatura do
recibo não houve pedido de desconstituição judicial da quitação para retirar a
validade jurídica, sendo que a requerida teria que provar que o negócio
jurídico era nulo ou anulável. Expõe que de acordo com a lei 6.205/75 e
6.423/77 não há como utilizar o salário mínimo como fator de atualização
monetária, assim como o art. 7º IV CF. Do valor da indenização alega que não se
pode usar a lei 6.194/74, devendo-se observar a lei 11.482/07; Afirma que o termo
inicial de incidência de eventual correção monetária deve ser o ajuizamento da
ação e não a data do pagamento.
É o sucinto
relatório.
2. Voto.
O recurso não
comporta
provimento.
Trata-se de recurso
de apelação interposto pela seguradora-ré, contra sentença de procedência da
ação de cobrança ajuizada pela autora, que pleiteou a condenação da requerida
ao pagamento da diferença entre o valor da indenização paga em razão do seguro
obrigatório e o previsto na lei que rege a matéria.
Sem qualquer razão a ré.
De início, não se
reconhece a total quitação da indenização pleiteada, quando o valor pago
à apelada não obedeceu ao quantum estipulado pela lei regente, de 40
(quarenta) salários mínimos, sendo devido, mesmo, o pagamento do valor faltante,
até que se atinja o montante previsto pela lei.
Ainda, alega que o
valor pago obedeceu à Resolução expedida pelo Conselho Nacional de Seguros
Privados, que vigia à época do pagamento.
Entretanto, a
Resolução não prevalece sobre a norma legal, que já estipulava, expressamente,
o valor da indenização.
Não é outro o
entendimento no Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“o seguro obrigatório
de danos pessoais por morte do segurado deve corresponder ao valor de 40
salários mínimos, nos termos do art. 3º da Lei nº 6.194/74, que não foi
revogada pelo disposto nas Leis nos 6.205/75 e 6.423/77. Precedentes da 2ª
Seção” (REsp. nº 82.018/MG Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar j.
em 27.02.96).
Argúi a recorrida
também, sobre a ilegalidade na vinculação do salário mínimo à indenização em questão.
Entretanto, sem
guarida.
A par do interesse
social e previdenciário desse tipo de seguro, com efeito, a Lei n° 6.194/74 estabeleceu
parâmetro de fixação de valor indenizatório, e não fator de atualização
monetária a que se referem leis supervenientes e a Constituição Federal (art.
7°, inc. IV).
“SEGURO OBRIGATÓRIO -
DPVAT – Valor quantificado em salários mínimos - Indenização legal - Critério -
Validade - Lei nº 6.194/74, art. 3º - CF/88, art. 7º, inc. IV - Lei nº
6.205/75, art. 1º - Lei nº 6.423/77, art. 1º - O valor de cobertura do seguro
obrigatório de responsabilidade civil de veículo automotor (DPVAT) é de
quarenta salários mínimos, assim fixado consoante critério legal específico,
não se confundindo com índice de reajuste e, destarte, não havendo
incompatibilidade
entre a norma
especial da Lei nº 6.194/74 e aquelas que vedam o uso no salário mínimo como
parâmetro de correção monetária” (STJ - REsp. nº 153.209/RS - 2ª
Seção - Rel. Min.
ALDIR PASSARINHO JÚNIOR - j. 22.08.2001).
Portanto, não se
trata de vinculação, e, sim, de mero parâmetro, critério de fixação, não
havendo qualquer contrariedade às Leis 6.205/75 e 6.423/77.
A respeito do tema,
assim se manifestou o ilustre Desembargador MARCONDES D'ANGELO, no julgamento da
Ap. s/ Rev. nº 1.015.153.0/8:
“Ademais disso,
consoante decisões recentes e reiteradas, é possível a vinculação do salário mínimo
à indenização pleiteada. Aqui não se trata de vinculação, mas, sim, de mero
parâmetro, critério de fixação, não havendo qualquer contrariedade às Leis nºs 6.205/75
e 6.423/77”.
E, a propósito, no
mesmo sentido, o brilhante voto do Desembargador Ribeiro Pinto, desta Câmara,
que trouxe:
“Ademais, a par do
interesse social e previdenciário desse tipo de seguro, com efeito, a Lei n° 6.194/74
estabeleceu parâmetro de fixação de valor indenizatório, e não fator de
atualização monetária a que se referem leis supervenientes e a Constituição
Federal (art. 7°, inc. IV)” (Apelação com revisão nº 914.111-0/0, rel. Dr.
Ribeiro Pinto).
Assim, também, não há
se falar em revogação do art. 3º, da Lei 6.194/74, pelas Leis 6.205/75 e
6.423/77.
Em reiterados
julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou afirmando ser
pacífica sua jurisprudência sobre que o artigo 3º da Lei nº 6.194/74 não foi revogado
pelas Leis nºs 6205/75 e 6.423/77, porque, na adoção do salário-mínimo como
padrão de fixação da indenização devida, não é ele tido como fator de correção
monetária que estas buscam afastar (REsp. nº 129.182-SP, 3ª Turma, Rei.
Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJU 30/03/1998).
Nesse sentido, ainda,
conferem-se os seguintes julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a
seguir colacionados:
“CIVIL. SEGURO
OBRIGATÓRIO (DPVAT). VALOR QUANTIFICADO EM SALÁRIOSMÍNIMOS. INDENIZAÇÃO LEGAL.
CRITÉRIO. VALIDADE. LEI N. 6.194/74.
I. O valor de
cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil de veículo automotor
(DPVAT) é de quarenta salários mínimos, assim fixado consoante critério legal
específico, não se confundindo com índice de reajuste e, destarte, não
havendo incompatibilidade
entre a norma especial da Lei n. 6.194/74 e aquelas que vedam o uso do salário
mínimo como parâmetro de correção monetária.
II. Recurso especial
não conhecido.”
(RESP 153209/RS;
RECURSO ESPECIAL 1997/0076815-5, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Segunda
Seção, J. em 22/08/2001)
“Seguro Obrigatório
de Danos Pessoais - Fixação de indenização com base e salários mínimos - Lei n°
6.194/74, art. 3°, Lei n° 6205/75 e 6423/77 - As Leis 6.205 e 6.423 não
revogaram o critério de fixação da indenização em salários mínimos, quer pelo
marcante interesse social e previdenciário deste tipo de seguro, quer porque a
lei anterior estabeleceu critério de fixação do valor indenizatório, não se
constituindo em fator de correção monetária que se referem as leis supervenientes
- Recurso especial não conhecido.”
(REsp n°12.145-SP, 4ª
T, Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, j. em 08/10/91).
Quanto à questão da
correção monetária, cumpre ressaltar que tal encargo nada mais representa do que
“a mera conservação do poder real da moeda” (STJ, Rec. Esp. 81.109/SP, j.
3.9.96, “in” RT 738/253), de tal modo que também não comporta acolhimento a
pretensão da apelada de que a correção monetária seja incidente somente a
partir do ajuizamento da ação.
Indiscutível o
inadimplemento por parte da seguradora, quando deixou de pagar a reparação no
valor integralmente devido, determinado pelo ordenamento jurídico específico,
na ocasião oportuna.
Desse modo, e
consoante orientação pretoriana, contrariamente à posição defendida pela
seguradora, a correção monetária é devida a partir do pagamento incompleto e
não
da propositura da
ação, nem da prolação da sentença, como forma de manter a intangibilidade da
moeda ao longo do tempo.
Assim sendo, a
correção monetária deve incidir a partir do momento em que deveria ter sido
realizado o pagamento integral e a inobservância configura ilícito contratual.
Diante de todo o
exposto, revela-se acertado o decreto de procedência lançado na sentença
hostilizada, o qual merece ser mantido em sua totalidade.
3. “Itis positis”, pelo meu voto, nego provimento ao
recurso da ré.
VANDERCI ÁLVARES
Relator
Fonte:
TJSP
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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