APELANTE :
IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE MOGI GUAÇU.
APELADA :
NOBRE SEGURADORA DO BRASIL S/A.
COMARCA:
MOGI GUAÇU.
29ª CÂMARA
EMENTA: SEGURO OBRIGATÓRIO. COBRANÇA DE DIFERENÇAS. LEI
6.194/74. CESSÃO DE DIREITOS OUTORGADA PELO SEGURADO ÀS ENTIDADES HOSPITALARES.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATENDIMENTO HOSPITALAR
REALIZADO, AS DESPESAS MÉDICAS DECORRENTES E O ACIDENTE COBERTO PELO DPVAT.
IMPRESTABILIDADE PROBATÓRIA DOS DOCUMENTOS UNILATERALMENTE PRODUZIDOS PELA AUTORA.
RECURSO IMPROVIDO.
Trata-se de ação de cobrança de
diferença de indenização de seguro obrigatório, julgada improcedente pela
r.sentença de fls. 48/49.
Inconformada, apela a autora (fls.
52/76),pleiteando a reforma do julgado. Aduz que a Medida Provisória 451/2008
não é aplicável ao sinistro noticiado nos autos, pois não pode retroagir para
alcançar ato jurídico perfeito, uma vez que o acidente ocorreu em 27/04/2007.
Ademais, alega possibilidade de cessão dos direitos do segurado ao prestador de
serviços. Assevera, também, a inexistência de prescrição, pois a contagem do
prazo iniciou-se da ciência do pagamento a menor (27/07/2007). Afirma
que como o DPVAT é um seguro contra
danos, a sua indenização
deve se dar por simples comprovação do
efetivo gasto com as
despesas médicas e hospitalares (art.
5º da Lei nº 6.194/74).
Ademais, estão comprovados os
requisitos legais para pagamento
da indenização integral. A correção
monetária e os juros de mora
devem incidir a partir do 16º dia
subsequente à entrega da
documentação; em acidentes ocorridos
antes do dia 29/12/2006 e
nos posteriores a esta data, devem
incidir desde o 31º dia. Requer,
por fim, a condenação da ré no
pagamento de honorários
advocatícios de R$ 1.000,00.
Recurso regularmente processado
erespondido.
É o relatório.
Em sentença que se mostra irretocável,
foi a presente demanda bem decidida pelo d. magistrado singular.
A Lei nº 6.194/74, com as modificações
introduzidas pela Lei nº 11.482/07, dispondo sobre o seguro obrigatório de
danos pessoais causados por veículos automotores de
via terrestre, sempre exigiu para a
comprovação do alegado, entre
outros requisitos, a prova do nexo
entre as despesas médicas a
serem reembolsadas e a ocorrência do
acidente.
ARNALDO RIZZARDO, em sua obra “A Reparação
nos Acidentes de Trânsito”, citado em voto proferido pelo Des. RUY COPPOLA,
integrante da 32ª Câmara da Seção de
Direito Privado, na Apelação sem
Revisão nº 1.138.492-0/0, em
caso assemelhado, adverte que:
“Com o advento da Lei
6.194, a interpretação em favor do segurado adquiriu mais unanimidade. O seguro
perdeu o caráter de responsabilidade civil, passando a figurar como seguro de
danos pessoais. Considera beneficiários todas as pessoas que sofreram o impacto
do acidente, pouco valendo a circunstância de se encontrarem fora ou dentro do
carro.
Esta a doutrina de
Wladimir Valer: “Assim é que a Resolução
1/75, no item 2.1,
dispõe que a cobertura abrangerá, inclusive,
danos pessoais
causados aos proprietários e/ou motoristas dos
veículos, seus
beneficiários ou dependentes. São beneficiários,
portanto, todas as
pessoas que se encontrarem no veículo
sinistrado ou fora
dele e que em decorrência de acidente
automobilístico
venham a sofrer danos pessoais. Todos os que
estiverem dentro do
veículo, seja como proprietário, seja como
motorista preposto,
seja como passageiro, parente ou não do
segurado, serão
beneficiados com a cobertura do acidente.”
.........................................
Obviamente, nos casos
de invalidez
permanente e de
despesas médicas e suplementares, o beneficiário
é sempre a vítima,
que receberá a indenização.” (fls. 223/224).
Mais adiante, na mesma obra, mostra o
doutrinador:
“Constam regulados
nos parágrafos do
art. 5º, na redação
vinda da Lei 8.441, os requisitos formais para a
obtenção do seguro:
..........................................
b) prova das despesas
efetuadas pela
vítima como seu
atendimento por hospital, ambulatório ou médicoassistente
e registro da
ocorrência no órgão policial competente
no caso de danos
pessoais.
.......................................
O interessado
encaminhará os papéis
pessoalmente ou
através de procurador. A entrega far-se-á contra
recibo indicativo de
todos os documentos. Observa Wladimir Valler
que “nenhum outro
documento, que as Sociedades Seguradoras
costumam solicitar,
com o evidente intuito de dificultar ou retardar
o pagamento das
indenizações, tais como: a) prova do bilhete do
seguro; b)
habilitação do motorista; c) certificado de propriedade
do veículo; d) laudo
pericial; e) exame de corpo de delito; f) exame
necroscópico, etc.,
não precisam ser fornecidos pelos interessados,
uma vez que o que se
exige é a simples prova do acidente e do dano
decorrente. O
acidente se prova com a certidão da autoridade
policial sobre a
ocorrência. O dano decorrente, ou seja, a morte ou
a invalidez
permanente, se comprova com a certidão de óbito ou
com o relatório do
médico-assistente atestando o grau de invalidez,
respectivamente. As
despesas de assistência médica e
suplementares se comprovam
com os recibos ou notas fiscais.” (fls.
232/236).
Bem a propósito, em recente decisão,
oeminente des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS,integrante desta Col. 29ª
Câmara, acrescenta que “importa salientarque a disposição do art. 5º, § 4º,
da Lei nº 6.194/74, que prevê apossibilidade de prova do nexo causal mediante a
apresentação de“boletim de atendimento hospitalar ou relatório de
internamentoou tratamento” não é aplicável ao presente caso. Isso porque,
talnorma pressupõe o pedido formulado pela vítima, na qual a
entidade hospitalar é
isenta, o que não ocorre nesta hipótese.
Formulado o pleito
pela entidade hospitalar em nome próprio,
esta, na qualidade de
parte interessada, perde sua natural isenção,
razão pela qual, os
documentos por ela produzidos devem ser
avaliados com
redobrada cautela.
Ademais, os
documentos apresentados
não se revestem das
mínimas formalidades. As fichas de
atendimento
restringem-se à afirmação de que se trata de
“acidente
automobilístico”, descrevendo de forma simplória cada
um dos atendimentos,
não se enquadrando, portanto, nas
exigências legais,
....” (Apelação
s/ Revisão nº 1.181.409-0/7).
Mais ainda, discutível a alegada
cessão de
direitos, tendo em vista que a vítima
do acidente sequer despendeu
qualquer quantia a ser reembolsada,
segundo o texto da lei, não se
perdendo de vista o cunho social da
norma, que não pode ser
desvirtuado pelas entidades
hospitalares que, ao invés de atenderem
os acidentados pelo sistema SUS, como
lhes compete, preferem
cobrar o atendimento das seguradoras
integrantes do sistemaDPVAT.
Ainda reportando-me ao entendimento
dodouto desembargador MANOEL DE QUEIROZ PERIERACALÇAS, integrante deste
colegiado, trago à colação excerto dedecisão por ele proferida, que reflete com
propriedade a situaçãoora delineada:
“O seguro obrigatório, para
estamodalidade de evento, tem por fim o reembolso de despesasefetuadas pela
vítima em razão do acidente. Por se tratar dereembolso é necessário, por
premissa, que se prove o desembolso
da quantia limitada
em R$ 2.700,00, conforme disposto na Lei nº
6.194/74. Neste
ponto, não há comprovação alguma que o cedente
realizou tal despesa.
O que ocorre, na verdade é que o autor, numa
política equivocada,
suportou as despesas com o atendimento
médico, sem cobrar da
vítima e, mediante “cessão de direito”
busca o pagamento do
atendimento junto ao sistema “DPVAT”. O
seguro foi concebido
para indenizar a vítima, mediante despesas
comprovadas em
entidade vinculada ao Sistema Único de Saúde,
realizadas em caráter
privado.
Assim dispõe o artigo
3º da Lei nº 6.194,
de 19 de dezembro de
1974:
'Art. 3º Os danos
pessoais cobertos pelo
seguro estabelecido
no art. 2º desta Lei compreendem as
indenizações por
morte, por invalidez permanente, total ou parcial,
e por despesas de
assistência médica e suplementares, nos valores
e conforme as regras
que se seguem, por pessoa vitimada:
(...) § 2º
Assegura-se à vítima o
reembolso, no valor
de até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos
reais), previsto no
inciso III do 'caput' deste artigo, de despesas
médico hospitalares,
desde que devidamente comprovadas,
efetuadas pela rede
credenciada junto ao Sistema Único de Saúde,
quando em caráter
privado, vedada a cessão de direitos. § 3º As
despesas de que trata
o § 2º deste artigo em nenhuma hipótese
poderão ser reembolsadas
quando o atendimento for realizado pelo
SUS, sob pena de
descredenciamento do estabelecimento de saúde
do SUS, sem prejuízo
das demais penalidades previstas em lei'.
Por outro lado, o
termo de cessão dedireitos não se sustenta numa análise frente ao disposto no
artigo286 do Código Civil. O contrato atenta contra a boa-fé objetiva etambém
contra a lei de regência. A cessionária é sabedora que ocedente não realizou
despesa alguma, ou seja, nada pagou peloatendimento e, não obstante, busca o
recebimento em seu nome de
reembolso de despesas
que não existe. Ofende a lei ao passo que o
dispositivo acima
transcrito, embora não em vigor quando da
cessão, veda a cessão
de direitos. A lei veio a explicitar o comando
que emerge da
natureza da obrigação. A indenização do 'DPVAT'
possui natureza
alimentar, portanto, personalíssima.
Desta feita, sob os
vários ângulos acima
expostos, o pedido da
autora é improcedente.
Neste sentido o
Tribunal de Justiça de SãoPaulo:
SEGURO Obrigatório
(DPVAT)
Cobrança por cessionário
Ilegitimidade reconhecida
Indenização de
natureza alimentar Vedação do artigo
286 do Código Civil
Contrato de cessão que viola o
princípio da boa-fé
objetiva Aplicação do artigo 5º da
Lei de Introdução ao
Código Civil Sentença de
improcedência mantida
Recurso não provido.
(Apelação Cível n.
1.018.340-0/2 São José do Rio
Preto 30ª câmara de
Direito Privado Relator: Luiz
Felipe Nogueira
05.03.08 V.U. Voto n. 3004)” (fls.48/50).
“O entendimento não
poderia sermais apropriado, haja vista que a recente alteraçãopromovida no art.
3º, § 2º, da Lei nº 6.194/74, pela Lei
nº 11.945/2009, cujo
objetivo foi justamente o de
esclarecer de uma vez
por todas a impossibilidade de
cessão dos direitos
pelo segurado às entidades
hospitalares. Embora
a alteração somente tenha
entrado em vigor após
o acidente e a assinatura do
termo de cessão, com
devida vênia àqueles que
possuem entendimento
contrário, parece-me evidente
que este já era o
espírito da legislação anterior”
(Apelação
0017796-39.2010.8.26.0362).
Logo, não há como se acolher a
pretensão
da autora, eis que se apresenta
indevida.
Face ao exposto, pelo meu voto, nego
provimento ao recurso.
FRANCISCO THOMAZ
RELATOR
Fonte: TJSP
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
Conheça mais. Faça uma visita blogs disponíveis no perfil: artigos e anotações sobre questões de Direito, português, poemas e crônicas ("causos"): http://www.blogger.com/profile/14087164358419572567
Pergunte, comente, questione, critique.
Terei muito prazer em recebê-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário