APELANTE : SEGURADORA LÍDER DOS
CONSÓRCIOS DO SEGURO DPVAT S/A
APELADO : EB
COMARCA : SANTO ANDRÉ
V O T O Nº 16.813
Ementa: Acidente de trânsito - ação de cobrança de
indenização referente a seguro obrigatório de veículo (DPVAT) – sentença de
parcial procedência - apelação da ré - não há falar-se em ausência de prova do
nexo de causalidade, porquanto o Boletim de Ocorrência não é documento
indispensável à propositura da ação e, in casu, aquele fora comprovado pelo
laudo de exame necroscópico - inaplicável à espécie é a Lei nº 11.482/07 porque
o sinistro ocorreu em 1988 - o artigo 3º da Lei 6.194/74 não foi revogado pelas
Leis 6.205/75 e 6.423/77 - o art. 7º, IV, da CF não impede a consideração do
valor do salário mínimo para o pagamento da indenização, na hipótese, e nem
mesmo a Resolução CNSP nº 1/75, que ela não é lei e, por conseguinte, não tem
força para vergar a lei - a indenização do seguro obrigatório (DPVAT) pode ser
cobrada de qualquer seguradora que opere no complexo, mesmo antes da vigência
da Lei n. 8.441/92, independentemente da identificação dos veículos envolvidos
na colisão ou do efetivo pagamento dos prêmios - se o pedido foi acolhido pela
metade, resta claro, claríssimo, que a sucumbência foi recíproca e que os seus
ônus deveriam ter sido distribuídos naquela medida recurso parcialmente
provido.
RELATÓRIO
Ação de cobrança de indenização
referente a
seguro obrigatório de veículo (DPVAT)
que EB
ajuizou em face de Seguradora Líder
dos
Consórcios do Seguro DPVAT S/A foi
julgada
parcialmente procedente pela
respeitável sentença
de fls. 189/194, de lavra da MM. Juíza
de Direito
Luciana Biagio Laquimia, “para
condenar a
requerida a pagar ao autor a quantia
equivalente
a vinte salários mínimos (piso
nacional) vigentes
à data do efetivo pagamento, acrescida
de juros
moratórios de 1% ao mês, desde a data
da citação,
de conformidade com entendimento do E.
Superior
Tribunal de Justiça (súmula 426). Os
20 salários
mínimos remanescentes são devidos às
filhas da
vítima, de conformidade com o 4º
parágrafo supra
(...). Em face do resultado ora
alcançado, fica
ao autor e à ré, na proporção de 40% e
60%,
respectivamente, carreada a
responsabilidade pelo
pagamento das custas processuais e
honorários
advocatícios”, estes arbitrados, “com
fulcro no
art. 20, parágrafo 3º, do Código de
Processo
Civil, em 15% (dez por cento) do valor
da
indenização, devidamente atualizado”.
Fincou-se o decisum na seguinte
motivação:
“Cumpre, antes de mais nada, proceder
à análise
da preliminar argüida em sede de
contestação. A
petição inicial observa os requisitos
do artigo
282, do Código de Processo Civil, e
veio
instruída com os documentos
imprescindíveis à sua
distribuição; assim não fosse, teria
sido desde
logo determinada sua emenda pelo Juízo
que
despachou a preambular. O documento de
fls. 15
constitui prova suficiente à
compreensão de que o
óbito da esposa do autor se deu em
decorrência de
acidente de trânsito e, tratando-se de
documento
público, com presunção de veracidade, à
ré cabe
prova em sentido diverso. Rechaçada a
preliminar,
cumpre sem mais delongas passar ao
exame do
mérito. A hipótese é de parcial
procedência da
demanda. Anoto, antes de mais nada, a
desnecessidade de apresentação do
bilhete do
seguro quitado. É que, cuidando-se de
hipótese de
acidente de trânsito do qual resultou
vítima
fatal, irrelevante é a falta de
cobertura
contratual securitária, sendo a
indenização
devida mediante simples comprovação do
acidente e
do dano sofrido, independentemente da
apuração da
culpa. É o que se tem nos autos. Nesse
sentido,
Apel. 00589840-8/004, julgada aos
11.12.1995 pela
1a Câmara do Primeiro Tribunal de
Alçada Civil,
v.u. No que pertine ao montante
indenizatório, de
partida cumpre recordar que à SUSEP
cabe
distribuir a responsabilidade das
seguradoras
participantes do consórcio DPVAT e
normatizar o
pagamento das indenizações, mas não
alterar o
montante indenizatório estabelecido em
lei e
não modificado ou descaracterizado
pela
legislação posterior. Há, por
conseguinte, de
prevalecer a indenização no valor
correspondente
a quarenta salários mínimos,
estabelecida no
artigo 3.º, alínea “a”, da Lei
6.194/74, vigente
à data do sinistro. Ao ensejo, anoto
que o
mencionado artigo não foi revogado
pelas Leis
6.205/75 e 6.423/77, matéria esta que
foi objeto
da Uniformização de Jurisprudência n.º
483.244/6-
02, cujo julgamento resultou na edição
da Súmula
37 do Egrégio Primeiro Tribunal de
Alçada Civil
de São Paulo, que expressamente
revogou a Súmula
n.º 15 daquela Corte. (...). Nem se alegue
que
seria inconstitucional a fixação da
indenização
em salários mínimos. Está assentado na
Súmula 37
do extinto Primeiro Tribunal de Alçada
Civil do
Estado de São Paulo que: “Na
indenização
decorrente de seguro obrigatório, o
artigo 3º da
Lei n. 6.194/74 não foi revogado pelas
Leis ns.
6.205/75 e 6.423/77”. No caso
vertente, o salário
mínimo não está sendo utilizado como
indexador. É
apenas um critério para estabelecer
uma
determinada obrigação, sem que exista
ofensa ao
artigo 7º, inciso IV da Constituição
Federal. No
que pertine à incidência de correção
monetária,
de outro lado, descabida na hipótese,
na medida
em que já estipulados por lei no
montante
correspondente a quarenta salários
mínimos. Já os
juros de mora são devidos a contar da
data da
citação, no patamar de 1% ao mês. A
procedência
da demanda é, entretanto, apenas
parcial, dado o
descumprimento do autor em relação à
ordem
emanada às fls. 182. Deveras. Tendo
havido, do
casamento do autor com a vítima
JOSEFINA DOS
SANTOS BRIZANTI, o nascimento de três
filhas
(Eliana, Edna e Alessandra fls. 14 e
41), a
metade ideal da indenização ora
buscada é cabente
às herdeiras e, por conseguinte, por
estas deve
ser buscada em via própria”.
Inconformada, apela a ré às fls.
199/217,
pedindo a reforma do decidido, para o
fim de: i.
“julgar extinta a presente demanda
diante da
ausência do boletim de ocorrência e
consequentemente ausência do nexo
causal”; ii.
“caso se entenda pela manutenção da r.
sentença,
seja afastado o pagamento de salários
mínimos,
fixando o valor em R$ 13.500,00 e
considerando
apenas o percentual de 50% do limite
máximo
indenizável por se tratar de veículo
não
identificado, atualizados a partir da
distribuição da demanda, e ainda seja
aplicada a
sucumbência recíproca, tendo em vista
que os
apelados decaíram de parte do pedido”.
Recurso tempestivo, preparado (fls.
201/202 e
221) e respondido (fls. 223/232).
FUNDAMENTOS
O apelo comporta parcial guarida.
Não há falar-se em ausência de prova
do nexo
de causalidade, porquanto o Boletim de
Ocorrência
não é documento indispensável à
propositura da
ação e, in casu, aquele fora
comprovado pelo
laudo de exame necroscópico de fls.
15, que dá
conta que Josefina dos Santos Brizanti
faleceu
vitimada em acidente de trânsito.
Nesse sentido: Apelação Cível nº
0026518-
62.2008.8.26.0320 36ª Câmara de
Direito Privado
Relator Desembargador EDGARD ROSA j.
21.07.2011).
Inaplicável à espécie a Lei nº
11.482/07,
porquanto o sinistro ocorreu em 1988,
e, “Em se
tratando de acidente ocorrido antes da
vigência
da Lei n° 11.482/2007, o pagamento do
seguro
obrigatório deve corresponder ao
equivalente a
quarenta salários mínimos, a teor do
disposto no
art. 3º da Lei n° 6.194/74"
(Apelação Cível nº
0176838-76.2006.8.26.0100 26ª Câmara
de Direito
Privado Relator Desembargador RENATO
SARTORELLI
j. 1º.02.2012).
Em desfavor da apelante milita a
Súmula 37 do
extinto 1º TAC-SP - "Na
indenização decorrente de
seguro obrigatório, o artigo 3º da Lei
6.194/74
não foi revogado pelas Leis 6.205/75 e
6.423/77"
, bem assim entendimento já pacificado
pelo
Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT).
VALOR
QUANTIFICADO EM SALÁRIOS MÍNIMOS.
INDENIZAÇÃO
LEGAL. CRITÉRIO. VALIDADE. LEI N.
6.194/74.
I. O valor de cobertura do seguro
obrigatório
de responsabilidade civil de veículo
automotor (DPVAT) é de quarenta
salários
mínimos, assim fixado consoante
critério
legal específico, não se confundindo
com
índice de reajuste e, destarte, não
havendo
incompatibilidade entre a norma
especial da
Lei n. 6.194/74 e aquelas que vedam o
uso do
salário mínimo como parâmetro de
correção
monetária.
II. Recurso especial não conhecido.”
(RESP 153209/RS, Rel. Ministro CARLOS
ALBERTO
MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão
Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA
SEÇÃO,
julgado em 22.08.2001, DJ 02.02.2004,
p. 265)
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. SEGURO
OBRIGATÓRIO.
INDENIZAÇÃO. SALÁRIO-MÍNIMO. LEI N.
6194/74;
LEIS NS. 6205/75 E 6423/77.
DIVERGÊNCIA
CARACTERIZADA ENTRE AS DECISÕES DOS
RESPS NS.
4394-SP, 3A. TURMA E 12145-SP, 4A.
TURMA.
AS LEIS NS. 6205/75 E 6243/77 NÃO
REVOGARAM O
CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM
SALÁRIOS-MÍNIMOS (LEI N. 6194/74),
PORQUE
ESTE FOI APENAS QUANTIFICADO EM
SALÁRIOSMÍNIMOS,
NA DATA DO EVENTO, NÃO SE
CONSTITUINDO O SALÁRIO EM FATOR DA
ATUALIZAÇÃO DA MOEDA. EMBARGOS ADMITIDOS,
MAS
REJEITADOS”.
(EREsp 12145/SP; EMBARGOS DE
DIVERGENCIA NO
RECURSO ESPECIAL - Relator Ministro
CLAUDIO
SANTOS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
08/04/1992,
DJ 29.06.1992, p. 10261)
“SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS.
FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO COM BASE EM SALÁRIOS
MÍNIMOS.
LEI 6194/74, ART. 3.; LEI 6205/75
E 6423/77.
AS LEIS 6205 E 6423 NÃO REVOGARAM O
CRITÉRIO
DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO (LEI
6194/74, ART.
3.) EM SALÁRIOS-MÍNIMOS, QUER PELO
MARCANTE INTERESSE SOCIAL E
PREVIDENCIÁRIO
DESTE TIPO DE SEGURO, QUER PORQUE A
LEI
ANTERIOR ESTABELECEU CRITÉRIO DE
FIXAÇÃO DO
VALOR INDENIZATÓRIO, NÃO SE
CONSTITUINDO EM
FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA A QUE SE
REFEREM
AS LEIS SUPERVENIENTES. RECURSO
ESPECIAL NÃO
CONHECIDO.”
(REsp 12145/SP, Relator Ministro ATHOS
CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
08.10.1991, DJ 11.11.1991, p. 16151).
Daí não se poder invocar, na hipótese,
o
disposto no art. 7º, IV, da
Constituição Federal,
"eis que o texto constitucional
impede que a
correção monetária siga a evolução do
salário mínimo,
mas não que o valor-base da
indenização
seja expresso nesse salário e, depois
disso,
atualizado pelos índices usuais de
correção
monetária" (Apelação nº
0016932-38.2010.8.26.0576 -
36ª Câm. De Direito Privado - Rel.
Des. ARANTES
THEODORO - J. 15.12.11), e nem mesmo a
Resolução
CNSP nº 1/75, que ela não é lei e, por
conseguinte, não tem força para vergar
a lei.
A indenização do seguro obrigatório
(DPVAT)
pode ser cobrada de qualquer
seguradora que opere
no complexo, mesmo antes da vigência
da Lei nº
8.441/92, independentemente da
identificação dos
veículos envolvidos na colisão ou do
efetivo
pagamento dos prêmios.
A tese contrária, esposada pela
apelante,
encontra-se data venia superada pela
jurisprudência do C. STJ.
Com efeito, esse Sodalício vem
assentando
que:
“Seguro obrigatório: DPVAT. Leis nºs
6.194/74
e 8.441/92. Precedentes da Corte.
1. As Turmas que compõem a Segunda
Seção
assentaram que “qualquer seguradora
responde
pelo pagamento da indenização em
virtude do
seguro obrigatório, pouco importando
que o
veículo esteja a descoberto, eis que a
responsabilidade em tal caso decorre
do
próprio sistema legal de proteção,
ainda que
esteja o veículo identificado, tanto
que a
lei comanda que a seguradora que
comprovar o
pagamento da indenização pode haver do
responsável o que efetivamente pagou”
(REsp
nº 68.146/SP, de minha relatoria, DJ
de
17/8/98).
2. Recurso especial conhecido e
provido.”
(RESP 579891/SP, Rel. Ministro CARLOS
ALBERTO
MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA,
julgado em
10.08.2004, DJ 08.11.2004, p. 226)
“AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO
(DPVAT). FALTA DE PAGAMENTO DO PRÊMIO.
SINISTRO OCORRIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA
LEI N.
8.441/92. VÍTIMA PROPRIETÁRIA DO
VEÍCULO.
INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE.
"A falta de pagamento do prêmio
do seguro
obrigatório de Danos Pessoais Causados
por
Veículos Automotores de Vias
Terrestres
(DPVAT) não é motivo para a recusa do
pagamento da indenização".
Verbete n. 257 da
Súmula do STJ. A indenização devida a
pessoa
vitimada, decorrente do chamado Seguro
Obrigatório de Danos Pessoais causados
por
Veículos Automotores de Vias
Terrestres
(DPVAT), pode ser cobrada mesmo tendo
ocorrido o acidente previamente à
modificação
da Lei 6.194/74 pela Lei 8.441/92 e
antes da
formação do consórcio de seguradoras.
Precedentes. O fato de a vítima ser o
dono do
veículo não inviabiliza o pagamento da
indenização. Recurso conhecido e
provido.”
(RESP 621962/RJ, Rel. Ministro CESAR
ASFOR
ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em
08.06.2004,
DJ 04.10.2004 p. 325).
“DIREITO CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO.
VEÍCULOS
IDENTIFICADOS. LEGITIMIDADE PASSIVA.
RESPONSABILIDADE DE QUALQUER
SEGURADORA.
A indenização do seguro obrigatório
(DPVAT)
pode ser cobrada de qualquer
seguradora que
opere no complexo, mesmo antes da
vigência da
Lei n. 8.441/92, independentemente da
identificação dos veículos envolvidos
na
colisão ou do efetivo pagamento dos
prêmios.
Precedentes.
Recurso especial conhecido e provido.”
(RESP 602165/RJ, Rel. Ministro CESAR
ASFOR
ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em
18.03.2004,
DJ 13.09.2004 p. 260).
“CIVIL E PROCESSUAL. SEGURO
OBRIGATÓRIO DE
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PROPRIETÁRIOS DE
VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE
(DPVAT). NÃO PAGAMENTO DO PRÊMIO
RESPECTIVO.
FATO IRRELEVANTE AO DIREITO À
COBERTURA PELA
VÍTIMA OU SUCESSORES. LEIS N.
6.194/74.
EXEGESE. DIREITO EXISTENTE MESMO
ANTERIORMENTE À ALTERAÇÃO PROCEDIDA
PELA LEI
N. 8.441/92.
I. O seguro obrigatório de
responsabilidade
civil de veículos automotores é
exigido por
lei em favor das vítimas dos
acidentes, que
são suas beneficiárias, de sorte que
independentemente do pagamento do
prêmio
pelos proprietários, devida a
cobertura
indenizatória pela seguradora
participante.
II. Interpretação que se faz da Lei n.
6.194/74, mesmo antes da sua alteração
pela
Lei n. 8.441/92, que veio apenas
tornar mais
explícita obrigação que já se extraia
do
texto primitivo.
III. Precedentes do STJ.
IV. Recurso especial conhecido em
parte e
provido.”
(RESP 541288/SP, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,
julgado em
26.10.2004, DJ 28.02.2005, p. 327).
Num ponto apenas a sentença guerreada
merece
reparo: se o pedido foi acolhido pela
metade,
resta claro, claríssimo, que a
sucumbência foi
recíproca e que os seus ônus deveriam
ter sido
distribuídos naquela medida.
Pelo exposto, eu dou parcial
provimento ao
recurso apenas para assentar que cada
parte
suportará as custas que despendeu e os
honorários
de seu patrono.
É como voto.
Des. PALMA BISSON
Relator
Fonte: TJSP
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