APELAÇÃO CÍVEL Nº
0005250-52.2010.8.26.0361
APELANTE : SEGURADORA LÍDER DOS
CONSÓRCIOS DO SEGURO DPVAT S/A
APELADO : ABB
COMARCA : MOGI DAS CRUZES
V O T O Nº 16.855
Ementa: acidente de trânsito - ação de cobrança de diferença
de indenização referente a seguro obrigatório (DPVAT) – sentença de procedência
- apelação da ré - não há falar-se que a condenação deve ser limitada ao
quinhão do apelado, vez que a sentença guerreada já ditou aquela com essa
limitação - o valor da indenização é aquele previsto em lei e não pode ser
alterado por resolução do CNSP ou da SUSEP, em respeito à hierarquia normativa
- o artigo 3º da Lei 6.194/74 não foi revogado pelas Leis 6.205/75 e 6.423/77 -
o art. 7º, IV, da CF não impede a consideração do valor do salário mínimo para
o pagamento da indenização, na hipótese - a correção monetária é in casu devida não do ajuizamento da
ação, mas da data que deveria ter a seguradora pagado o valor integral da
indenização e não o fez - no que toca aos juros de mora a sentença guerreada
mandou contá-los à razão de 1% ao mês, porque devidos tão somente desde a data
da citação, que se deu em maio de 2010, já sob a égide do novo Código Civil -
recurso desprovido.
RELATÓRIO
Ação de cobrança de diferença de indenizaçãoreferente
a seguro obrigatório de veículo DPVATque ABB ajuizou em face de Seguradora
Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A foi julgada parcialmente procedente
pela respeitável sentença de fls. 53/57, de lavra do MM. Juiz de Direito Luiz
Renato Bariani Peres, “de modo a condenar a ré ao pagamento do valor de 13,325
salários mínimos vigentes em junho de 1990 (salário mínimo: Cr$ 3.857,76), que
deverão ser atualizados a partir do pagamento efetuado em 23.06.1990, com
acréscimo de juros de mora de 12%
(doze por cento) ao ano, a partir da
citação”,
observado que, “Dada a sucumbência
recíproca,
cada parte arcará com os honorários de
seuspróprios patronos, e metade das custas e despesasprocessuais”.
Fincou-se o decisum na seguinte
motivação:
“Acolho a preliminar de ilegitimidade
ativa
parcial. O autor só tem direito a
reclamar o
recebimento de metade do valor da
diferença. Isso
porque, à época do falecimento de seu
filho, dois
eram os beneficiados pelo seguro
obrigatório:
ambos seus genitores, como se verifica
pelo
documento de f. 17. A esposa do autor
faleceu
posteriormente ao acidente, deixando
05 filhos
(f. 16), razão pela qual a estes
assiste o
direito de receber o valor da metade
restante da
diferença do seguro obrigatório, nos
termos do
art. 4º da Lei nº 6.194, 19.12.1974.
Presentes,
pois, os pressupostos processuais e as
condições
da ação, passo ao exame direto do
mérito, uma vez
desnecessária a dilação probatória
(art. 330,
inc. I, do Código de Processo Civil).
O pedido é
procedente em parte. Observo que a
pretensão não
está prescrita. Nos termos do art.
2.028 do
Código Civil, já decorrido mais da
metade do
prazo prescricional antigo (de 20
anos), quando
do advento do novo Código Civil, uma
vez que o
acidente ocorreu em 25.03.1990, o
autor poderia
exercer sua pretensão à diferença até
25.03.2010.
A ação, contudo, foi ajuizada em
16.03.2010,
obstando a prescrição. O autor
demonstrou
recebimento de valor securitário
abaixo do
previsto em lei (f. 17). Ora, se
recebeu o valor
securitário à época, é porque dispunha
do bilhete
de recolhimento do prêmio à época da
indenização,
o que não pode mais ser discutido pela
requerida.
O que se discute nestes autos é o
direito à
diferença pela indenização paga, e não
a própria
existência do direito à indenização.
Destarte,
não se trata de aplicação retroativa
da Lei nº
8.441/92, que alterou a redação do
art. 7º da Lei
do Seguro Obrigatório. Tem-se que,
mesmo perante
o texto antigo da norma, o autor já
havia
satisfeito os requisitos à
indenização, tanto
que, à época, recebeu o seguro pela
via
administrativa. Quanto ao valor da
indenização
não há qualquer incompatibilidade
entre a fixação
em salários mínimos e a Constituição
Federal, ou
mesmo com a Lei nº Lei nº 6.205/75,
uma vez que
se trata de critério legal de aferição
direta do
valor da indenização, e não de
critério de
atualização monetária de um valor
previamente
fixado. Neste sentido já se pacificou
a
jurisprudência superior: CIVIL. SEGURO
OBRIGATÓRIO (DPVAT). VALOR
QUANTIFICADO EM
SALÁRIOS MÍNIMOS. INDENIZAÇÃO LEGAL.
CRITÉRIO.
VALIDADE. LEI N. 6.194/74. I. O valor
de
cobertura do seguro obrigatório de
responsabilidade civil de veículo
automotor
(DPVAT) é de quarenta salários
mínimos, assim
fixado consoante critério legal
específico, não
se confundindo com índice de reajuste
e,
destarte, não havendo
incompatibilidade entre a
norma especial da Lei n. 6.194/74 e
aquelas que
vedam o uso do salário mínimo como
parâmetro de
correção monetária. II. Recurso
especial não
conhecido. (Resp nº 153.209/RS, Rel.
Min. Aldir
Passarinho Júnior, julgado em
22.08.2001) O
critério legal prevalece em relação a
resoluções
administrativas, e só foi alterado
normativamente
pela Lei nº 11.482, de 31.05.2007,
inaplicável ao
caso em respeito ao direito
intertemporal. Por
sua vez, os cálculos do autor
encontram-se
corretos em parte. O salário mínimo
aplicado é
aquele da época em que ocorreu o
acidente,
atualizado a partir de então pelos
índices da
tabela prática do Tribunal de Justiça.
Neste
sentido: SEGURO OBRIGATÓRIO. AÇÃO
PROPOSTA PELA
MULHER DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE DE
PARTE.
PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. - Por
expressa
disposição legal, o cônjuge
sobrevivente possui
legitimidade para postular o
recebimento da
indenização (art. 4º da Lei nº 6.194,
de
19.12.74). - Prescrição inocorrente,
uma vez que
a autora é beneficiária do seguro e
não segurada. -
A indenização correspondente a 40
saláriosmínimos
deve levar em conta o salário-mínimo
vigente à época do evento,
computando-se daí por
diante a correção monetária na
conformidade com
os índices oficiais. Recurso especial
não
conhecido. (Resp nº 222.642/SP, Rel.
Min. Barros
Monteiro, julgado em 15.02.2001).
Devem ser
computados juros de mora a partir da
citação. Por
decorrência lógica do reconhecimento
da
ilegitimidade ativa quanto a parte do
pedido,
verifica-se que a ré efetuou o
pagamento total de
Cr$51.499,16 (f. 17), que, na época
equivalia a
13,35 salários mínimos (salário mínimo
=
Cr$3.857,76). Destarte, a diferença
devida é de
26,65 salários mínimos, sendo que
assiste ao
autor metade deste valor (13,325
salários
mínimos)”.
Inconformada, apela a ré às 78/87.
Para pedir
a inversão do decidido, sustenta que:
i. a
condenação deveria ser limitada ao
quinhão do
autor, a teor do art. 4º da Lei nº
6.194/74 c.c.
art. 6º do CPC; ii. o valor pago a
título de
indenização - DPVAT - fora apurado de
acordo com
a Resolução do Conselho Nacional de
Seguros
Privados, que vigorava à época; iii. a
Lei nº
6.194/74, que estabelecia o valor da
indenização
em 40 salários mínimos, teria sido
revogada pelas
Leis nºs 6.205/75 e 6.423/77,
sobretudo à luz do
art. 7º, IV, da CF, que veda a
vinculação do
salário mínimo para qualquer fim.
Alternativamente, pede ao menos a
incidência da
correção monetária a partir do
ajuizamento da
ação e dos juros de mora a partir da
citação, mas
à taxa de 0,5% ao mês, “tendo em vista
que o
contrato de seguro se iniciou dentro
da vigência
do Código Civil de 1916 (1990 data do
sinistro)”.
Recurso tempestivo, preparado (fls.
88/90) e
respondido (fls. 96/103).
FUNDAMENTOS
O apelo não comporta guarida.
Não há falar-se que a condenação deve
ser
limitada ao quinhão do apelado, vez
que a
sentença guerreada já ditou aquela com
essa
limitação.
O valor da indenização é aquele
previsto em
lei e não pode ser alterado por
resolução do CNSP
ou da SUSEP, em respeito à hierarquia
normativa
(Apelação nº
9208958-57-2008.8.26.0000, 29ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des.
S. OSCAR
FELTRIN, J. 25.04.2012).
Em desfavor da apelante milita a
Súmula 37 do
extinto 1º TAC-SP - “Na indenização
decorrente de
seguro obrigatório, o artigo 3º da Lei
6.194/74
não foi revogado pelas Leis 6.205/75 e
6.423/77” -
, bem assim entendimento já pacificado
pelo
Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT).
VALOR
QUANTIFICADO EM SALÁRIOS MÍNIMOS.
INDENIZAÇÃO
LEGAL. CRITÉRIO. VALIDADE. LEI N.
6.194/74.
I. O valor de cobertura do seguro
obrigatório
de responsabilidade civil de veículo
automotor (DPVAT) é de quarenta
salários
mínimos, assim fixado consoante
critério
legal específico, não se confundindo
com
índice de reajuste e, destarte, não
havendo
incompatibilidade entre a norma
especial da
Lei n. 6.194/74 e aquelas que vedam o
uso do
salário mínimo como parâmetro de
correção
monetária.
II. Recurso especial não conhecido.”
(RESP 153209/RS, Rel. Ministro CARLOS
ALBERTO
MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão
Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA
SEÇÃO,
julgado em 22.08.2001, DJ 02.02.2004
p. 265)
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. SEGURO
OBRIGATÓRIO.
INDENIZAÇÃO. SALÁRIO-MÍNIMO. LEI N.
6194/74;
LEIS NS. 6205/75 E 6423/77. DIVERGÊNCIA
CARACTERIZADA ENTRE AS DECISÕES DOS
RESPS NS.
4394-SP, 3A. TURMA E 12145-SP, 4A.
TURMA.
AS LEIS NS. 6205/75 E 6243/77 NÃO
REVOGARAM O
CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM
SALÁRIOS-MÍNIMOS (LEI N. 6194/74),
PORQUE
ESTE FOI APENAS QUANTIFICADO EM SALÁRIOSMÍNIMOS,
NA DATA DO EVENTO, NÃO SE
CONSTITUINDO O SALÁRIO EM FATOR DA
ATUALIZAÇÃO DA MOEDA. EMBARGOS
ADMITIDOS, MAS
REJEITADOS”.
(EREsp 12145/SP ; EMBARGOS DE
DIVERGENCIA NO
RECURSO ESPECIAL - Relator Ministro
CLAUDIO
SANTOS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/04/1992,
DJ 29.06.1992 p. 10261)
“SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS.
FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO COM BASE EM
SALÁRIOSMÍNIMOS.
LEI 6194/74, ART. 3.; LEI 6205/75
E 6423/77.
AS LEIS 6205 E 6423 NÃO REVOGARAM O
CRITÉRIO
DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO (LEI 6194/74,
ART.
3.) EM SALÁRIOS-MÍNIMOS, QUER PELO
MARCANTE INTERESSE SOCIAL E
PREVIDENCIÁRIO
DESTE TIPO DE SEGURO, QUER PORQUE A
LEI
ANTERIOR ESTABELECEU CRITÉRIO DE
FIXAÇÃO DO
VALOR INDENIZATÓRIO, NÃO SE
CONSTITUINDO EM
FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA A QUE SE
REFEREM
AS LEIS SUPERVENIENTES. RECURSO
ESPECIAL NÃO
CONHECIDO.”
(REsp 12145/SP, Relator Ministro ATHOS
CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
08.10.1991, DJ 11.11.1991, p. 16151)
Daí não se poder invocar, na hipótese,
nem
mesmo o disposto no art. 7º, IV, da
Constituição
Federal, “eis que o texto
constitucional impede
que a correção monetária siga a
evolução do
salário-mínimo, mas não que o
valor-base da
indenização seja expresso nesse
salário e, depois
disso, atualizado pelos índices usuais
de
correção monetária” (Apelação nº
0016932-
38.2010.8.26.0576 - 36ª Câm. De
Direito Privado -
Rel. Des. ARANTES THEODORO - J.
15.12.11).
A correção monetária é in casu devida
não do
ajuizamento da ação, mas da data que
deveria ter
a seguradora pagado o valor integral
da
indenização e não o fez.
No que toca aos juros de mora a
sentença guerreada mandou contá-los à razão de 1% ao mês, porque devidos tão
somente desde a data da citação, que se deu em maio de 2010 (fls. 33 e Vº), já
sob a égide do novo Código Civil.
Pelo exposto, nego provimento ao
recurso.
É como voto.
Des. PALMA BISSON
Relator
Fonte: TJSP
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